O
jogo do bicho sempre foi algo rotineiro na vida dos pernambucanos. Nas décadas
de 70, 80 e 90, ganhar no bicho era praticamente a única esperança de melhorar
de vida para muitos indivíduos. Afinal, podia-se ter várias tentativas para
ganhar no bicho, fosse na corrida da tarde, às 16h, ou à noite, às 19h (depois
inventaram o horário do meio dia e, mais recentemente, soube que há inúmeros
horários diferentes, o que para mim não tem a mesma magia); na cabeça ou no
quinto, milhar, centena ou dezena, ou ainda o grupo. Sem contar aqueles 25
bichos coloridos, que podiam aparecer em sonho ou mesmo dentro de casa para dar
o sinal, certeiro, do prêmio!!! Além disso, todo mundo conhecia alguém que já
tivesse ganhado um troquinho no jogo do bicho, diferente das nacionalmente famosas
Loto, Sena, Baú, entre outras premiações. Enfim, jogar no jogo do bicho era
praticamente sagrado para muita gente. Era costume, lá no bairro, que as pessoas já
tivessem seus números favoritos; e lá em casa o danado do cachorro era mesmo o
suprassumo dos bichos. Quando dava cachorro na cabeça, e o pessoal não tinha
jogado, era aquele alvoroço: “Ah, por que
eu não joguei? Bem que eu sonhei com um danado de um cachorro”. Era cachorro pra lá, era cachorro pra cá... É claro que
ninguém se lembrava do oposto, quando sonhava, jogava e dava outro bicho.
Também havia um tal de “jogar por três dias seguidos”, sempre no horário da
tarde, praticamente sagrado, e que valia para esses casos de visões em sonho.
Enfim, um hábito tão arraigado desses só poderia dar margem para muitas
crendices e simpatias. Minha mãe contava que era preciso ficar atenta aos
sonhos, pois esses traziam mensagens importantes para se jogar no bicho, e eu
confesso que, algumas vezes, eu pedia para que ela apostasse em algum bicho,
baseado em sonho que eu havia tido na noite anterior. Mas coisa certeira mesmo
para se jogar e ganhar no bicho era simpatia, mas simpatia das boas, daquelas que
você veria, com seus próprios olhos, o bicho da cabeça do dia seguinte! Quando eu ouvi isso pela primeira
vez, pensei como era possível as pessoas não ganharem repetidamente no bicho
com algo tão certeiro! Esta simpatia, em especial, consistia em, à tardinha,
preparar um bom cuscuz de milho. Aqui, esclareço para o leitor que não é da
terra, que o cuscuz é um prato muito comum na região, feito rotineiramente no
café da manhã ou jantar, à base de fubá de milho e geralmente servido com
manteiga, ovo ou uma carne guisada cheia de molho, ou ainda charque ou carne de
sol na graxa. Também é corriqueiro fazer este mesmo cuscuz doce e regado ao
leite de coco, ou mais raramente um cuscuz de massa de mandioca levemente
salgadinho. Esse tal cuscuz de milho devia ser colocado em um prato branco e virgem, levado
até um ponto calmo do quintal e, às 18h em ponto, a pessoa deveria sentar-se ao
longe e rezar a Salve-Rainha até o trecho “nos mostrai” por três vezes. Durante
a reza, certamente o bicho, que daria na cabeça do dia seguinte, apareceria
para comer o cuscuz. Eu achava essa simpatia fantástica, mas eu ficava mesmo
imaginando fazê-la só para ver um elefante, um avestruz ou até um jacaré em meu
quintal e, ainda por cima, comendo cuscuz. Que fabuloso seria! Apesar de acreditar
nisso por um bom tempo de minha infância, eu nunca tentei fazer a tal simpatia,
primeiro porque não havia prato virgem em casa, e comprar um prato novo,
naquela época, não era tão fácil quanto hoje; e segundo porque minha mãe sempre
dizia que não era bom brincar com essas coisas, que era preciso leva-las a sério, haja
visto o causo da cabra. Eu perguntei que cabra era essa e, obviamente caro
leitor, isso nos levará ao próximo causo.
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