A
Comadre Florzinha é uma daquelas assombrações tipicamente pernambucanas, uma
entidade protetora das matas, das plantas e dos animais silvestres, que habita(va)
desde grandes florestas até capoeiras perdidas no meio de plantações de cana de
açúcar, ou mesmo um bonito quintal cheio de florezinhas coloridas e muita folhagem.
Tia Ana conta que sua mãe, Dona Júlia,
lá no Alto da Foice, mesmo lugar onde o fabuloso Tutu realizava suas peripécias
nos anos 40, costumava ver a Comadre Florzinha no aceiro de uma mata, que havia
atrás de sua casa. Os moradores locais frequentemente deixavam mel em uma
tigela para a Comadre, uma espécie de agrado para ela não se irritar e sair
açoitando os cachorros ou mesmo as pessoas com seus longos cabelos em dolorosas
cipoadas. Essa entidade também aparecia comumente nos engenhos e, lá em Ponte
dos Carvalhos, também fazia suas aparições. Duas vizinhas nossas viram, por inúmeras vezes, a Comadre Florzinha
nos quintais das casas da vizinhança, fosse passeando entre os jardins
floridos, maltratando algum cachorro moribundo com seus longos e brilhantes
cabelos louros, ou mesmo brincando com algumas crianças que achavam que ela era
uma menina comum desse mundo dos encarnados. Eu nunca vi a tal da comadre, mas
lembro-me que, quando criança, não eram raras às vezes em que uma amiga minha
desmaiava por ter visto a tal da menina lá em sua casa, fosse no quintal ou no
jardim. Em meio a uma brincadeira, quando ela esbugalhava os olhos e ficava amarela que nem barro, era certeza que ela tinha avistado a Comadre.
domingo, 24 de abril de 2016
Comadre Florzinha
Marcadores:
#Altodafoice,
#assombração,
#Casamarela,
#comadreflorzinha,
#comadrefulozinha,
#entidadesmágicas,
#nordeste,
#realismofantástico,
#Recife,
Cabo de Santo Agostinho,
folclore,
lendas,
Pernambuco
Local: Recife
Pte. dos Carvalhos, Cabo de Santo Agostinho - PE, Brasil
domingo, 17 de abril de 2016
Tá correndo bicho: a menina e as ovelhas
Esse
talvez tenha sido o primeiro causo que ouvi, quase que em tempo real, sobre uma
criatura terrível que perambulava tão próxima a nosso bairro. Eu tinha meus seis
a sete anos, e nunca me esquecerei do dia em que Tia Tereza, uma comadre de
mainha, foi nos visitar em Ponte dos Carvalhos. Ela não deve ter demorado mais
do que duas horas lá em casa, conversando com minha mãe, mas continuei
lembrando aquela conversa por anos da minha infância. Hoje em dia, confesso que
muitos detalhes se esvaíram, mas ainda me recordo da história em si.
Ela começou a contar
que há poucos dias, em um sítio do Engenho Ilha, ali pertinho do bairro, havia
ocorrido algo realmente sinistro. Inclusive, ela trouxe consigo um álbum onde
havia algumas fotografias, e fez questão de mostrar para minha mãe. Eu, por ser
pequena, nunca vi as fotos, e fiquei por anos imaginando o que elas poderiam ter
de tão sinistras. Tia Tereza contou para minha mãe que tinha bicho correndo na
região. “Bicho correndo” significava que alguma criatura realmente medonha e
sedenta por sangue corria todas as noites, causando a morte de muitos animais e
assustando aos homens e outras criaturas da terra. Contudo, o caro leitor deve
perceber que a expressão “tá correndo bicho” sempre e sempre se referia a algo
que não era desse mundo. Ouvir tudo aquilo me causou arrepio, medo e ao mesmo
tempo fascínio na ocasião. Afinal, não eram todos os anos em que se tinha
notícia que uma criatura mitológica estava à solta, e tão perto da gente. Minha mãe replicava com suas explicações
sobre o porquê de bicho estar correndo. Segundo a população local, quando um
filho ou filha espancava seus pais, certamente ele ou ela estaria maldiçoado a
se transformar em um bicho sinistro que correria durante sete noites a cada
sete anos, até o dia de sua morte. Bom, então tia Tereza continuou dizendo que
fazia poucos dias que uma mocinha, filha do dono de um sítio, presenciou algo
apavorante. Essa menina criava algumas ovelhas, que todas as noites dormiam ao
relento, mas muito próximas à casa do sítio. Nesta fatídica noite, a menina
ouviu alguns balidos baixinhos das ovelhas, como se estivessem sendo
importunadas por alguma coisa. Então, a menina levantou-se da cama e olhou pela
brecha estreita da janela de madeira. Foi então que ela ficou surpresa ao ver
uma espécie de bicho enorme, que não era cachorro, lobo, onça ou qualquer coisa
parecida com o que se conhecesse lá pelas bandas do Cabo. Ela, apavorada de
medo, não conseguiu se mexer, e ficou ali quase que paralisada, vendo suas
ovelhas, uma a uma, sendo atacadas pelo bicho medonho. Ao amanhecer, a menina,
que mal havia pregado os olhos durante toda aquela noite maldita, levantou-se e
se dirigiu até a porta da frente. Ao sair da casa, se deparou com a triste
cena, em que todas suas ovelhas estavam, de fato, mortas, secas, sem qualquer
gota de sangue e tinham apenas dois orifícios meio azulados na região do
pescoço. O pai da menina tirou algumas fotografias daquela verdadeira e triste chacina
de ovinos, e enviou o filme para a revelação, guardando-as depois em um álbum
(Eu sei, bizarro! Mas como não havia internet, era assim que as coisas eram
registradas, ora!). Isso explica o álbum que tia Tereza trazia emprestado
naquele dia, e atualmente bem posso imaginar que aquelas fotos mostravam apenas
ovelhas mortas com marcas no corpo, mas nada de monstros aterrorizantes
captados em alta resolução (o que ingenuamente imaginei na época). De qualquer
forma, esse fato deve ter sido seguido de um ou outro registro de ataque a
animais nas redondezas, e logo depois tudo se acalmou. Não ouvimos mais falar de
bicho correndo por alguns anos, e a história ficou esquecida.
Marcadores:
#assombração,
#chupacabra,
#lobisomem,
#realismofantástico,
Cabo de Santo Agostinho,
folclore,
lendas,
Pernambuco,
Ponte dos Carvalhos
Local: Recife
Pte. dos Carvalhos, Cabo de Santo Agostinho - PE, Brasil
sábado, 9 de abril de 2016
Visagem na madrugada
No início da década de 80, o bairro
de Ponte dos Carvalhos, principalmente no trecho onde morávamos, era bastante ermo
e, ao sair tarde da noite, raramente se via uma viva alma nas ruas. Porém, em
uma certa noite, quando minha tia Ana voltava para casa após ter saído em busca
de um remédio para minha mãe, ela percebeu que não caminhava sozinha pelas ruas.
Ao virar a esquina da avenida principal com a rua da antiga “sinuca”, um bar
muito conhecido naquela região do velho Engelho Ilha, ela instintivamente olhou
para trás e percebeu que havia uma mulher com um longo e esvoaçante vestido vermelho
e que andava a passos largos em sua direção, praticamente cambaleaando ou
balançando no ar. Nesse instante, minha tia se arrepiou da cabeça aos pés e
percebeu que aquilo não se tratava de uma pessoa em carne e osso, mas sim de
uma assombração que, sabe-se lá o porquê, cismou de correr atrás dela,
justamente quando ela dobrava a esquina daquela encruzilhada. Sem raciocinar
muito para entender o que era aquela assombração, e por que estaria atrás dela,
tia Ana começou a fugir desesperada daquela mulher assombrada com um vestido
vermelho e cabelos esvoaçantes. Quanto mais ela corria, mais perto a mulher
chegava. Como naquela época todas as ruas do antigo Engenho Ilha eram de terra
batida, e para ser sincera, até pouco tempo ainda eram, tia Ana se danou a
pisar nas poças de lama e a perder os chinelos, chegando finalmente em casa
esbaforida e aterrorizada. A assombração sumiu quando finalmente ela dobrou a
esquina da rua onde morava. Ao chegar em casa, que ainda era iluminada por
lampião, ela contou o ocorrido a minha mãe, que sempre diz que nunca viu minha
tia tão descabelada e enlameada semelhante àquele dia. Parece mesmo que essa
assombração costumava habitar aquele trecho do bairro, pois alguns moradores
relatam que, até há alguns anos atrás, essa tal mulher de vermelho ainda
aparecia nas ruas, sempre depois da meia noite, correndo atrás de pobres almas
vivas desavisadas.
Marcadores:
#assombração,
#entidadefeminina,
#Fantasmas,
#nordeste,
#realismofantástico,
Cabo de Santo Agostinho,
folclore,
lendas,
Pernambuco,
Ponte dos Carvalhos
Local: Recife
Pte. dos Carvalhos, Cabo de Santo Agostinho - PE, Brasil
O Papa Figo de Dois Irmãos
Tia Ana conta que seus vizinhos, no Alto da
Foice, relatavam um curioso caso sobre uma família abastada, que morava em um
casarão no bairro de Dois Irmãos em Recife. Segundo os relatos, os donos da
casa frequentemente contratavam uma ama de leite, cuja função seria amamentar
um suposto bebê da família. Porém, ao chegar a casa, logo a ama percebia que
sua tarefa se tratava de algo um tanto quanto mórbido, pois ela deveria
amamentar não uma criança, mas um adulto enfermo, cuja enfermidade supostamente
seria atenuada com uma dieta, digamos, bastante estranha. Uma das amas de leite
contratada para o serviço, terminou por concordar em amamentar o homem, visto
que seria muito bem remunerada. Mas, tamanha foi sua surpresa ao perceber que o
homem sugava tão fortemente seus seios, exaurindo todo seu leite e chegando até
mesmo a sugar seu próprio sangue. A mulher, apavorada, saiu correndo do
casarão, pulando o muro e sem receber nada em troca pelo serviço. Nesse ponto,
caro leitor, você deve estar se perguntando onde o Papa Figo entra nessa história
bizarra. A questão é que o homem enfermo era portador de lepra ou hanseníase, o
que naquela época levava a graves deformações por falta de tratamento,
incluindo as orelhas caídas e aparentemente crescidas, diagnóstico certeiro, para
a maioria das pessoas, de que o indivíduo tratava-se mesmo de um Papa Figo – um
comedor de fígado humano, especialmente de meninos, muito conhecido em Recife e
arredores. Unindo a aparência do moribundo ao hábito grotesco de alimentar-se
de leite materno, esse boato terminou correndo pelos bairros mais humildes,
onde provavelmente moravam outras possíveis amas de leite, que passaram pelo
mesmo sinistro pesadelo.
Marcadores:
#nordeste,
#papafigo,
#Pernambuco,
#realismofantástico,
#Recife,
Alto da Foice,
Ama de leite,
Bairro de Dois Irmãos,
Casa Amarela,
folclore,
lendas
Local: Recife
Casa Amarela, Recife - PE, Brasil
sexta-feira, 1 de abril de 2016
O arruaceiro que ficava invisível
Costumava contar tia Ana que, durante sua infância por volta dos anos 40, no Alto da Foice do bairro Casa
Amarela em Recife, um rapaz apelidado de Tutu era conhecido por suas brigas e
confusões. O antigo Alto da Foice, hoje em dia chamado de Alto Nossa Senhora de
Fátima, era assim chamado por causa das constantes brigas de foice entre os
moradores. Era costume comum, naquela época, que alguns moradores fizessem
grandes festas em seus quintais, onde havia muita dança, comida e bebida à
vontade. Tutu, por já ser conhecido por suas intromissões nas festas alheias, criando
desavenças e, por muitas vezes, encerrando a comemoração, nunca era convidado.
No entanto, Tutu sempre aparecia de
penetra nas festas, e já macaqueados com a situação, o pessoal já dizia
amedrontado: “Lá vem Tutu!”. O danado do
Tutu entrava nas festas, fazia bagunça, brigava com todo mundo, e só saia da
festa quando a polícia era chamada. O tal do Tutu, mesmo seguido pela polícia,
se envultava na frente dos guardas, que ficavam perdidos sem saber onde o
danado do rapaz havia se metido. O povo falava que Tutu se envultava porque, na
verdade, havia feito um feitiço poderoso, capaz de deixá-lo invisível ou
trasformar-se em um objeto ou um animal. O feitiço consistia em encontrar um
gato preto sem sinal de cor alguma, colocá-lo vivo em um caldeirão no fogão e
esperar pelo seu cozimento até sua completa diluição. Feito isso, o passo
seguinte consistia em separar todos os ossos do gato e, na frente de um espelho
virgem, levar à boca ossinho por ossinho, fazendo uma determinada oração.
Quando, o ossinho certo fosse posto na boca, o indivíduo não mais veria sua
imagem no espelho. Assim, Tutu continuava a fazer suas peripécias pelo Alto da
Foice, ora fazendo prezepadas com os vizinhos, ora se envultando e fugindo da
polícia.
Marcadores:
#feitiçaria,
#gatopreto,
#homeminvisível,
#pactocomdiabo,
#realismofantástico,
Alto da Foice,
Casa Amarela,
folclore,
lendas,
Pernambuco,
Recife,
São Cipriano
Local: Recife
Casa Amarela, Recife - PE, Brasil
Assinar:
Postagens (Atom)