Esse
causo ocorreu no Engenho Mupã, relativamente próximo à cidade de Escada onde
minha mãe morava nos anos 50. Ela conta que sua tia e prima vivenciaram esta história quando acompanharam o então padre da cidade até um sítio neste
engenho. Uma família de agricultores, que morava nesse sítio, costumava mandar
seus dois filhos, de cinco e seis anos, cortar capim em um terreno afastado de
sua casa, o que serviria para alimentar alguns animais do sítio. Naquela época,
trabalho infantil era coisa muito comum, e os mais ignorantes não raro
discursavam que criança devia mesmo trabalhar, pois brincadeira em casa de
gente necessitada era coisa de pessoa mole. Pois um belo dia, essas crianças
foram buscar capim e, sem mais nem menos, voltaram para casa desesperadas, deixando
ferramenta, capim e chinelos para trás. As crianças só diziam que não voltariam
novamente àquele local, e mais nenhuma explicação saia daquelas pobres bocas. Os
pais gritaram, bateram nas crianças, fizeram de tudo para entender o porquê
daquele comportamento, mas nada adiantou. Isso durou algumas horas, até que o
maiorzinho, já mais cansado da surra do que assustado com o que viu, finalmente
falou. Ele disse que no local onde eles comumente cortavam capim, viram três
pessoas, mulher, homem e criança, vestidos de preto e olhando fixamente para
eles, com olhos que não são desse mundo. O pai, em um primeiro instante não
acreditou, e disse que, no outro dia, eles iriam trazer capim nem que fosse a
base de cipoada nas canelas. A mãe, mais crente nas coisas do outro mundo, tentou
convencer o marido que, talvez, as crianças tivessem realmente avistado alguma
assombração. O marido, meio a contra gosto, mas para não contrariar a mulher,
que quando emburrada mais parecia uma gato do mato arisco, resolveu ir à Escada,
onde logo procurou pelo pároco local, o então padre João. Tocado pela situação,
muito mais pelas crianças do que pelos pais, o padre se dispôs a fazer uma
visita àquela família quão logo fosse possível. Quando finalmente o padre foi
visitá-los, conversou com as crianças e pediu que eles o levassem até o local
da aparição. Chegando lá, as crianças não tardaram a ver novamente as três
almas penadas, bem junto a um barranco onde a prima de minha mãe, que acompanhou
o padre em sua investigação, estava encostada. Essa prima saltou de susto, ao
perceber que as crianças olhavam assombradas em sua direção. Já o padre, macaco
velho com essas situações de visagem, pediu que os meninos perguntassem o que aquelas
três pobres almas desejavam. Os meninos perguntaram e finalmente disseram que
eles somente pediam uma missa. Pois bem, o padre disse que se era uma missa que
eles queriam, uma missa seria celebrada para aquelas pobres almas no próximo
domingo de manhã, e que a família das crianças deveria comparecer na ocasião. O
problema todo começou quando, no dia da fatídica cerimônia, a família das
crianças arrumou uma bela de uma romaria, com gente de vários sítios do
engenho, toda aquela gente amontoada em cima de um caminhão, parando de légua
em légua até finalmente chegar à igreja em Escada. Foi tanta gente a subir no
caminhão, e eles atrasaram tanto que chegaram à igreja somente após a leitura
do Evangelho. Foi aquele reboliço de gente entrando na igreja e tentando se
acomodar. Finalmente, quando a família conseguiu prestar atenção à missa, mal
puderam assistir somente ao final da cerimônia. Os pais das crianças
agradeceram ao padre, e voltaram novamente em tamanha romaria para seus
respectivos sítios. Porém, não se passaram três dias de tranquilidade, e o aflito
pai das crianças retornou à igreja para dizer que, agora estava muito pior,
pois aparentemente as almas penadas estavam aparecendo na porta de sua cozinha,
e que as crianças nem saiam mais de casa com tanto medo. O padre disse que já
havia celebrado a missa e que não retornaria ao sítio da família, mas que
buscasse saber com seus filhos o que ocorreu de errado. O pai, chegando em
casa, foi logo puxando o cipós de goiabeira e tratando de mandar os filhos
resolverem essa safpadeza. Ou perguntassem o que aquelas almas dos infernos
queriam ou iriam buscar capim com cipoada no lombo. O menino maiorzinho, muito
aterrorizado e depois de alguns sopapos, olhou para aquelas três almas pálidas
e vestidas de negro, bem ali na porta da cozinha, e perguntou o que eles ainda
queriam deles. As almas somente responderam que queriam uma missa, mas que
dessa vez as crianças deveriam assisti-la do começo até o fim. Pois bem, dessa
vez a família saiu do Engenho Mupã até Escada sem falar nada para vizinho
algum, evitando o olhar dos curiosos e todo atraso que isso poderia causar. Eles
assistiram à missa desde o começo, e quando ela finalmente terminou, o padre
perguntou às crianças sobre as almas penadas. Então as crianças disseram que os
três estavam, agora, vestidos de branco, sorriam e acenavam com um gesto de
adeus. Aquelas pobres almas nunca mais retornaram para assombrar as crianças, nem
tampouco interromper seus afazeres domésticos no sítio.
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